domingo, 26 de dezembro de 2010

Ver com o Coração...


É muito difícil encontrar alguém com quem "falar verdadeiramente", porque é muito difícil encontrar alguém que não se apresente como cotidiano, mas sim como insólito. Mas o que é falar verdadeiramente? O que são as palavras? São perguntas que pessoas rotineiras raras vezes se fazem, porque de fato as palavras constituem, em seu mundo, um dos tantos comportamentos rotineiros. E isso ocorre principalmente nas cidades, nas quais o principal exercício é a palavra. Fala-se em conferências, em mesas redondas, palestras, comícios. Fala-se nas universidades, nos sindicatos, nos clubes, nos cafés. Fala-se pela televisão, pelo rádio, pelos púlpitos. Fala-se de moda, de negócios, de profissão, de sexo, de política, de religião e de uma porção de coisas. Fala-se muito intelectualmente, mas se "sente" pouco emocionalmente. Por isso as palavras não são veículos autênticos de comunicação, e sim um véu que dá às relações humanas a silhueta do conformismo e da indiferença.
Somos profissionais: engenheiros, advogados, contadores, médicos, políticos, professores, pesquisadores, técnicos. Estivemos durante muitos anos "queimando as pestanas" sobre os livros. Conhecemos a ciência. Fazemos conferências, ensinamos nas universidades com perspicácia e admirável rigor lógico, e somos capazes de desarmar um adversário com nossa refinada retórica. Sabemos muitas "coisas sérias". Mas se uma criança interrompe nosso passo apressado na rua e ousa perguntar-nos: "O que é a vida?", é muito provável que tentemos alguma definição, mas não saberíamos dar a essa criança o estímulo de nossa vibração emotiva feita vivência e testemunho. Então, ela seguiria seu caminho sem ter entendido e pensado, talvez, que é muito triste chegar a ser "pessoa grande". Diante do impacto emotivo dessa pequena vida que se afasta de nós, mais desiludida e solitária que antes, talvez procuraríamos entender que o "importante" passou a nosso lado, e tão-somente tratamos de defini-lo...
            Isto ocorre, geralmente, porque na sociedade em que vivemos o encontro geralmente está condicionado pelo "fazer", muito mais que fortalecido pelo "sentir". Quando conhecemos alguém, depois de apresentados mutuamente se inicia timidamente uma conversa: "o que você faz?", "onde trabalha?", "quanto ganha?". Ninguém ousa perguntar, por exemplo: "você sorri com frequência?", "o que o emociona?", "o que o faz vibrar e comover-se?", "o que você admira?".  As pessoas se interessam mais pelo "fazer" do que pelo "sentir". Por isso o verbo mais conjugado atualmente é o verbo "fazer": fazer dinheiro, fazer vendas, fazer negócios, fazer amigos, fazer amor... quando o que você faz não deveria importar, mas o que sente. O que deveria interessar não é o seu fazer, mas a sua companhia e nela, seu sentimento. Se conto unicamente com o seu fazer, ainda que perfeito, estou no entanto sozinho.
O conhecimento do "outro" não se dá apenas por vê-lo, ouvi-lo ou saber dele, mas fundamentalmente por senti-lo, por comover-se com ele. O comover-se com o "outro" é vibrar ativa e criativamente pelas mesmas coisas que o fazem vibrar e comover-se. Mas esse "comover-se" não teria sentido, ou seria mera sentimentalidade ou sentimentalismo, se não levasse definitivamente a dar-se e a se revelar ao outro. 
Conhecer alguém, portanto, não é só saber quem é, de onde vem, ou como se chama. Para conhecer alguém não é suficiente vê-lo e ouvi-lo, mas, sobretudo, saber participar com entusiasmo e criativamente do mundo de suas emoções.
            A linguagem das emoções é muito mais eloqüente e universal do que a linguagem dos lábios. É também mais profunda, porque a emoção é a síntese expressiva, na personalidade, do que um homem pensa, é e sente.
            Vivemos rodeados de pessoas para as quais parecemos próximos e até familiares, mas que na realidade não nos conhecem. Com efeito, nos vêm e nos ouvem todos os dias; dividem conosco o trabalho, o estudo e até a mesa do jantar, mas não nos conhecem porque não “sentem” nem procuram sentir o que nós sentimos, ou seja, porque não se “comovem solidariamente” conosco.
            “Sabemos” dos outros e os outros “sabem” de nós, mas na realidade não os conhecemos nem eles nos conhecem. No entanto, sentimo-nos capazes de julgá-los e até de formular diagnósticos e prognósticos sobre sua vida, suas atitudes e suas experiências. Mas todos esses juízos são, além de injustos, completamente falsos, já que surgem necessariamente da interpretação meramente “intelectual” e fria. Por isso a sentença de Jesus: “Não julgueis e não sereis julgados”.
            Por outro lado, quantas vezes críamos conhecer uma pessoa, até vermos nela alguma manifestação emotiva diferente da que esperávamos. E sobre nós mesmos, às vezes não nos ocorre que nossos gestos, produto de nosso estado emocional, traiam o que dizemos com os lábios? Neste momento, percebemos que o assombro nos surpreende...
            No íntimo, as pessoas não esperam ser estimadas nem reconhecidas pela sua origem ou pelo o que fazem ou têm. Querem apenas que o outro o aceite como companheiro de jornada, como alguém que deseja ser presença humana e, por sua vez, que o outro seja presença humana para ele, onde não interessa de onde vem o outro, mas o que ele sente, porque a qualidade do sentir é a melhor garantia do ser. Nesta jornada que se caminha juntos, não se interessa a perfeição da ação, mas a intensidade do estar presente.

Texto de Edgardo Rodolfo Sosa